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O que será dos Jogos Abertos após a pandemia?

Por Gustavo Longo

Se estivéssemos em uma situação normal, a caminhada dos Jogos Abertos do Interior de 2020 começaria oficialmente em julho. O mês tradicionalmente abriga a disputa dos Jogos Regionais, evento classificatório ao evento regional desde 1967 e que mobiliza as oito regiões esportivas do estado de São Paulo ao longo de quatro semanas.

Contudo, vivemos agora o “novo normal”. O que era válido e inquestionável antes já não funciona mais. As pessoas estão repensando velhos hábitos e desenvolvendo novos comportamentos. No esporte, organizações, clubes e atletas quebram a cabeça para adequar a estrutura esportiva a esta realidade.

Você viu aqui, com exclusividade, que o Governo Estadual, responsável pelo evento, ainda não cogita o cancelamento dos dois eventos (Regionais + Abertos) e busca alternativas para sua realização. Bom, isso foi em abril e três meses depois a doença teima em avançar não só em terras paulistas, mas em todo o país. Cada dia a mais de indefinição representa mais pressão para a Secretaria Estadual de Esporte definir o que fazer com sua principal competição.

Historicamente, o cancelamento não é uma opção: em 84 anos, apenas uma vez os Jogos Abertos não foram realizados (em 1989, devido à greve dos professores paulistas). Mas como garantir a segurança e impedir o contágio quando mais de dez mil atletas e dirigentes se reúnem em escolas de cidades com menos de 500 mil habitantes em pouco mais de dez dias?

Nesse sentido, a pandemia de covid-19 pode representar uma oportunidade única para que esportistas paulistas repensem o papel dos Jogos Abertos do Interior.

Ao longo de oito décadas, os Jogos Abertos do Interior se transformaram na maior competição poliesportiva da América Latina. São 30 modalidades distintas, mais de dez mil atletas e três mil pessoas entre árbitros, dirigentes e comissões técnicas. Esse realmente era o desejo de seu fundador, Horácio Baby Barioni, que imaginava um grandioso “Jogos Abertos do Brasil”, com cidades interioranas de outros estados.

A questão é que se tornou praticamente uma edição de Jogos Olímpicos realizada anualmente em cidades que não possuem a mesma infraestrutura de metrópoles. Além disso, acontecem idiossincrasias que minam a disputa aos olhos dos torcedores, com a presença de grandes campeões olímpicos ao lado de atletas que nem chegam a ter um ano de treino na modalidade.

Enfrentar estes problemas, porém, não é tão simples. Quanto ao gigantismo, há quem defenda que os Jogos Abertos deveriam ficar restritos a modalidades olímpicas – mas aí o futsal, esporte mais popular do programa, sairia. Já outros acreditam que apenas esportes populares deveriam continuar – mas tiraria de atividades como Xadrez, Damas e Biribol a única chance de aparecer ao público. Sobre a diferença técnica, as propostas vão desde impor limite de idades até estabelecer critérios rigorosos de classificação, mas também afetam um ponto crucial: os Abertos surgiram justamente para promover intercâmbio e estimular a prática esportiva entre as cidades interioranas.

Tal qual os Jogos Olímpicos, sua grande inspiração, os Jogos Abertos também estão em uma encruzilhada, com mais perguntas do que respostas sobre a sustentabilidade e o papel que exercem.

Enquanto o COI adotou a Agenda 2020 para reduzir os custos e adequar as Olimpíadas a esta realidade, a Secretaria Estadual de Esporte contava com grupo de trabalho para formular mudanças na estrutura dos Abertos, deixando a competição mais atrativa tanto para cidades interessadas em sediá-la quanto para garantir mais divulgação.

Com a pandemia, o debate sobre os Jogos Abertos volta à tona e, agora, é preciso adotar medidas rápidas diante das incertezas econômicas e sociais em todo o estado. Se o objetivo é manter o evento no calendário, não dá para imaginar que vai ser na mesma estrutura de antigamente.

Mais do que nunca é preciso adequá-lo à realidade, buscando combinar seus elementos históricos com as necessidades dos municípios. Se limitar a participação de cidades ou excluir modalidades inteiras vai na contramão do objetivo inicial do evento, não preservar o mínimo de competitividade também é um elemento incongruente ao esporte. É preciso balancear estes elementos, preservando a memória ao mesmo tempo em que recupera o protagonismo no calendário nacional.

Quanto mais cedo o governo paulista adotar medidas estratégicas, mais rápido os Jogos Abertos conseguirão se recuperar. Os próximos passos serão fundamentais para entender o papel que o evento vai exercer no cenário esportivo brasileiro.

Gustavo Longo é jornalista especializado em cobertura esportiva e Mestrando no Programa de Pós-graduação em Ciências da Comunicação na ECA/USP