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Os mitos e lendas dos Jogos Abertos – A cobertura jornalística

Por Gustavo Longo

Todos os anos, uma competição do tamanho dos Jogos Olímpicos acontece em cidades do interior paulista e reúne até mesmo campeões olímpicos e mundiais. Contudo, nem isso faz com que os principais meios de comunicação de massa do país dediquem espaço e cobertura aos Jogos Abertos do Interior nos últimos anos.

Dessa forma, uma geração inteira de torcedores e apaixonados pelo esporte cresceu sem conhecer a história e a importância que esta competição possui no calendário esportivo brasileiro. Para muitas modalidades, é o ponto alto de uma temporada de treinamento em seus clubes e cidades. Para outros, é importante celeiro de revelação de atletas – ainda que seja invisível aos olhos midiatizados.

Esta é a sexta e última parte do especial desta coluna sobre os mitos e lendas dos Jogos Abertos, a maior competição poliesportiva do país. Nas semanas anteriores abordei a participação das cidades de outros estados na competição organizada pelo governo paulista, a relação entre Interior x Capital que marca a trajetória, a presença de atletas renomados do esporte nacional, os jovens atletas que despontam no torneio e a criação de divisões entre as delegações.

Agora, é hora de falar da cobertura jornalística em torno do evento. Diante da falta de interesse, é difícil imaginar que os Jogos Abertos só foram criados por conta do apoio que os grandes jornais da época, localizados na capital paulista, deram à Baby Barioni em 1936. Sem eles, não existiria a competição.

É preciso voltar no tempo e relembrar o processo de criação de um campeonato aberto para as cidades interioranas. Já comentei aqui em outras oportunidades que, em 1936, Barioni encontrou apoio da Associação Atlética Montealtense para tirar do papel a ideia que ele tinha desde 1927. Entretanto, o ex-atleta e cronista esportivo sabia que era preciso promover a iniciativa para que ela não ficasse restrita apenas à primeira edição ou à região de Monte Alto.

Uma alternativa foi buscar apoio da organização “A Bandeira”, de Menotti del Picchia e Cassiano Ricardo. O movimento cultural era muito próximo da família Barioni, principalmente pela amizade de Walther, um dos irmãos mais velho de Baby, com os modernistas.

O segundo trabalho de promoção consistia no envolvimento dos principais meios de comunicação da época, ou seja, os grandes jornais localizados na cidade de São Paulo. Aproveitando seu relacionamento dos tempos em que era cronista esportivo, Baby Barioni conseguiu convencer a maioria dos jornais da capital a enviarem repórteres durante a realização dos jogos.

Dois nomes se destacaram nesse sentido. Roberto Haddock Lobo, representando os Diários Associados, de Assis Chateaubriand, e Dimas Alves de Almeida, do Grupo Folha da Manhã (atual Folha de S. Paulo) não só estiveram em Monte Alto, como também compuseram a mesa do Congresso de Abertura do evento.

Escreveu a Folha da Manhã na edição de 12 de dezembro de 1936: “A imprensa esportiva, não só da capital, como das diversas cidades do interior do Estado, tem dado o seu apoio à óptima iniciativa dos montealtenses, incentivando os patrocinadores do maior certame cestobolístico até agora effectuado no interior do Estado”

O apoio desses meios de comunicação não se estendeu apenas à cobertura midiática, mas também na própria organização do evento em 1936. Enquanto o movimento “A Bandeira” providenciou o troféu de campeão à cidade de Uberlândia, os jornais “A Gazeta” e “Folha da Manhã” fizeram o mesmo para o segundo e terceiro colocados, respectivamente. Já a Associação Paulista de Imprensa, principal órgão jornalístico do estado na época, confeccionou um troféu para a delegação com maior saldo de pontos nas partidas.

Baby Barioni sabia a importância que os meios de comunicação tinham na promoção do esporte. Na edição seguinte, em 1937, ele buscou o apoio de emissoras de rádio, então um meio em franca ascensão, como atesta nota do jornal Correio da Manhã, do Rio de Janeiro, em 12 de julho:

“Os organizadores dos jogos do II Campeonato Aberto do Interior acabam de receber significativas offertas da mais importantes estações de rádio do nosso interior e das próprias capitaes que, gentilmente, põem a disposição do certamen as suas possantes estações transmissoras. Em virtude de tão significativa quão desvanecida gentileza, os organizadores dos jogos do II Campeonato Aberto do Interior farão dentro de breves dias uma intensa propaganda pelo ar, servindo-se dos microphones de várias estações”.

Ainda no mesmo ano, Barioni buscou realizar uma filme sobre o Campeonato Aberto do Interior que seria realizado em Uberlândia. Disse ele em depoimento à Folha da Manhã de 22 de agosto de 1937: “A Comissão Organizadora incumbiu-me também de entrar em entendimentos com a Rossi Film afim de consultar as possibilidades de filmagem do importante torneio, pois é de se desejar que tão grande prélio esportivo, com a participação de athletas de diferentes partes do paiz, tenha uma documentação viva que servirá de estímulo para os futuros commetimentos”.

Além disso, Barioni também criou por iniciativa própria a “Revista Oficial” dos Jogos Abertos do Interior, veiculada anualmente logo após a realização do evento. Nos anos seguintes, este projeto se transformaria no “Almanaque dos Jogos”, que ele patenteou na década de 1950. Também foi o responsável pelos desenhos dos primeiros cartazes de divulgação da competição, da mesma forma que os Jogos Olímpicos faziam.

Baby Barioni visita redação do jornal A Gazeta Esportiva: relação próxima com meios de comunicação

Com o sucesso nesta empreitada nas primeiras edições, aos poucos a cobertura midiática se expandiu. Veículos cariocas, como a revista Sport Illustrado e o Jornal dos Sports, deram grande destaque ao evento a partir da década de 1940, principalmente com a entrada do Major Sylvio de Magalhães Padilha no Departamento de Educação Física e Esporte do governo paulista (responsável pelo torneio a partir de 1939).

O jornal A Gazeta Esportiva, entre os anos 1950 e 1980, a revista Placar, na década de 70 e 80, e os próprios jornais paulistanos, como Estadão e Folha, também davam espaços generosos na cobertura do evento. A TV Cultura realizou a transmissão de diversas edições na década de 1980 e, posteriormente, foi substituída pela ESPN Brasil entre os anos 1990 e início dos anos 2000. Além, é claro, dos meios de comunicação localizados no interior paulista, que acompanhavam o desempenho de suas cidades.

Por que, então, a cobertura midiática nestes veículos foi diminuindo aos poucos, a ponto de se tornar quase inexistente atualmente?

Há duas questões a serem ponderadas aqui. Primeiro, a própria transformação que o mercado jornalístico sofreu nas últimas décadas. Várias redações foram enxugadas devido a diferentes crises (econômicas ou de posicionamento diante da transformação digital). Depois, a ampliação da pauta esportiva provocada pela mesma tecnologia. Hoje, é muito mais fácil acompanhar e cobrir eventos internacionais do que antes.

Assim, ao invés de deslocar equipes inteiras para realizar a cobertura de um evento como os Jogos Abertos do Interior, a grande maioria prefere reaproveitar material de ligas estrangeiras, como NBA, e torneios europeus de futebol, que reúnem os principais ídolos das modalidades atualmente – e consequentemente geram maior apelo na audiência.

Hoje, os Jogos Abertos do Interior sobrevivem graças à produção jornalística encomendada pelo próprio Comitê Organizador, com divulgação de site, notícias e até de transmissão de partidas por streaming em redes sociais (uma herança da preocupação de Baby Barioni em encomendar informações para os veículos de comunicação) e também pela participação de (poucos) jornalistas interioranos, que se deslocam até o evento (se for em uma cidade próxima) ou realizam a apuração por telefone.

É pouco diante da importância que o evento teve e ainda têm no cenário brasileiro. Todos os anos há campeões consagrados e jovens promessas que se destacam representando o país no futuro. Sem os meios de comunicação, nenhum esporte de alto rendimento sobrevive, uma vez que o espetáculo (seguindo o conceito de Guy Debord) é inerente a esta categoria esportiva. É preciso comercializar imagens esportivas para que se tenha fãs e, consequentemente, patrocinadores.

Cabe ao Governo Paulista e as cidades-sedes construírem condições para que os Jogos Abertos sejam, novamente, uma pauta importante na cobertura jornalística do país. Motivos para isso não faltam.

Gustavo Longo é jornalista especializado em cobertura esportiva e Mestrando no Programa de Pós-graduação em Ciências da Comunicação na ECA/USP