ALTA ROTAÇÃOCrônicas

Anos 10: Vettel e Hamilton ganham nove campeonatos

Por Sergio Quintanilha

Nunca na história da Fórmula 1 houve uma década tão desequilibrada como a dos anos 2010 a 2019. O domínio de uma equipe sobre a maioria sempre ocorreu, mas não como da forma verificada na segunda década do século XXI. Esse domínio foi dividido em duas partes. Na primeira parte, ainda com o regulamento técnico oriundo dos anos 2000 (motor 2.4 V8), a hegemonia foi da equipe Red Bull com motor Renault. Na segunda, com a introdução dos híbridos, a Mercedes AMG não deu chances para a concorrência.

O desequilíbrio em favor da Red Bull e da Mercedes foi muito bem aproveitado por dois pilotos: o alemão Sebastian Vettel e o inglês Lewis Hamilton. Os dois ganharam 9 dos 10 campeonatos disputados no período. Vettel surgiu como um sucessor de Michael Schumacher, que havia se aposentado no final de 2006. Curiosamente, depois de três anos ausente das pistas, Schumacher voltou a pilotar, para desenvolver o carro da nova equipe Mercedes, que comprou a Brawn (campeã de 2009), mas quem brilhou foi outro alemão, o jovem Vettel.

Com apenas 23 anos e 4 meses, Vettel se tornou o campeão mais jovem da história da F1, ao conquistar cinco vitórias e surpreender o espanhol Fernando Alonso, da Ferrari, no mundial de 2010. Antes de Vettel, os campeões mais jovens eram Hamilton (23 anos e 9 meses em 2008) e o próprio Alonso (24 anos e 1 mês em 2005).

Sebastian Vettel com o Red Bull Renault em 2010: piloto mais jovem da história a ser campeão do mundo

Enquanto Schumacher desenvolvia o carro da Mercedes com o também alemão Nico Rosberg (filho do finlandês Keke Rosberg, campeão de 1982), Vettel acumulou vitórias e títulos. Foram 34 vitórias e quatro títulos seguidos em apenas quatro anos, todas com o carro da Red Bull equipado com motor Renault. Em 2012, Rosberg ganhou a primeira corrida nesta nova fase da Mercedes – era hora da retirada definitiva de Schumacher, que foi substituído na equipe por Hamilton.

Em 2014, a Fórmula 1 mudou totalmente o regulamento técnico e passou a utilizar um sistema de propulsão híbrido, extremamente complexo, baseado num motor 1.6 V6 que passou a ser chamado de “power unit” (unidade de potência). A complexidade dos novos motores favoreceu a Mercedes-Benz, que tem na AMG sua divisão de carros superesportivos. A partir desse novo regulamento, a equipe Mercedes AMG ganhou todos os campeonatos da década, estabelecendo uma hegemonia superior à que a Mercedes de Juan Manuel Fangio e Stirling Moss haviam estabelecido nos anos 1950.

Lewis Hamilton ganhou sem grandes dificuldades os campeonatos de 2014 e 2015, com 21 vitórias no período, contra 11 de Rosberg, duas vezes vice-campeão. Em 2016, numa temporada que gerou muitas “teorias da conspiração”, Nico derrotou Lewis dentro da Mercedes e foi campeão mundial com apenas 5 pontos de diferença (385 contra 380). Rosberg ganhou 9 corridas, Hamilton ganhou 10, mas perdeu o título. Foi a única temporada em que houve uma real disputa interna.

O piloto alemão ganhou as quatro primeiras corridas, porém o inglês se recuperou e venceu 6 das 7 provas entre os GPs de Mônaco e da Alemanha. Entretanto, Hamilton teve quebras mecânicas consideradas “estranhas” pelos especialistas e até seu engenheiro foi cuidar do carro de Rosberg. Ao final da temporada, Nico Rosberg tomou uma decisão rara para um campeão do mundo: anunciou que estava se aposentando e não correria mais na Fórmula 1. Segundo uma das “teorias da conspiração”, a Mercedes “negociou” com Hamilton um título para Rosberg porque era seu interesse ter um piloto alemão campeão num carro alemão, objetivo que perseguia desde o início dos anos 1990, quando financiou a carreira de Michael Schumacher – porém, o piloto ganhou o título antes de a equipe ficar pronta e depois os fatos atropelaram os planos de Stuttgart, levando à dobradinha histórica entre Schumacher e a Ferrari.

Lewis Hamilton com o Mercedes AMG em 2014: início de uma lista impressionante de títulos mundiais

Sem Rosberg no time, a Mercedes-Benz fez uma compensação à torcida da Finlândia e contratou um finlandês de fato: Valtteri Bottas. Porém, novamente um piloto alemão se associou à Ferrari e deu trabalho para os carros “flechas-de-prata”: Sebastian Vettel. Com 10 vitórias nas temporadas de 2017 e 2018, Vettel obteve dois vice-campeonatos. Mas Lewis Hamilton faturou o dobro, 20 corridas, e não deu muita margem à discussão que surgiu ao final da temporada de 2017, quando ambos tinham quatro títulos: quem seria o “novo Fangio”. Com cinco títulos mundiais, o argentino Juan Manuel Fangio só perdia para Michael Schumacher.

Vettel parou nos quatro títulos da Red Bull Renault. Hamilton, ao contrário, faturou não apenas o quinto, mas também o sexto título mundial, deixando para a década seguinte dois recordes históricos para alcançar: o de número de vitórias em GPs (91) e o de títulos mundiais (7), ambos de Schumacher. Bottas, por sua vez, foi apenas um coadjuvante, como outros bons pilotos que surgiram, como o australiano Daniel Ricciardo, o holandês Max Verstappen e o monegasco Charles Leclerc.

Os anos 10 também marcaram a decadência das equipes McLaren e Williams, duas tradicionais marcas fundadas por gente de dentro do automobilismo, como o piloto Bruce McLaren e o garagista Frank Williams.

Num período de 10 anos, a McLaren obteve apenas 18 vitórias – todas com os pilotos Jenson Button e Lewis Hamilton e o motor Mercedes. A última vitória da McLaren foi em 2012. O fabricante alemão ainda ficou mais dois anos fornecendo motores para a McLaren, mas não adiantou. A última vitória da Williams foi em 2012, com o piloto venezuelano Pastor Maldonado e motor Renault. Foi a única numa década inteira. Pior: foi a única vitória da Williams desde 2004.

Dois pilotos brasileiros encerraram a carreira na Williams: Rubens Barrichello, no GP do Brasil de 2011, batendo o recorde 323 largadas, e Felipe Massa no GP de Abu Dhabi de 2017. Em 2018 e 2019, nenhum piloto brasileiro participou do campeonato mundial de Fórmula 1, situação que não ocorria desde 1970, com a chegada de Emerson Fittipaldi à categoria. O poder da F1 havia definitivamente mudado em termos geográficos, com domínio total de pilotos ingleses e alemães e de uma equipe 100% alemã.

ANO PILOTO PAÍS EQUIPE CONSTRUTOR
2010 Sebastian Vettel ALE Red Bull Renault Red Bull Renault
2011 Sebastian Vettel ALE Red Bull Renault Red Bull Renault
2012 Sebastian Vettel ALE Red Bull Renault Red Bull Renault
2013 Sebastian Vettel ALE Red Bull Renault Red Bull Renault
2014 Lewis Hamilton ING Mercedes Mercedes
2015 Lewis Hamilton ING Mercedes Mercedes
2016 Nico Rosberg ALE Mercedes Mercedes
2017 Lewis Hamilton ING Mercedes Mercedes
2018 Lewis Hamilton ING Mercedes Mercedes
2019 Lewis Hamilton ING Mercedes Mercedes

Sergio Quintanilha é doutorando em Ciências da Comunicação na ECA-USP e escreve sobre automobilismo desde 1989 – twitter: @QuintaSergio