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Há 53 anos, morria Horácio Baby Barioni

Por Gustavo Longo

O legado de Horácio Baby Barioni traz consigo um paradoxo. Ao mesmo tempo em que é o criador do maior evento esportivo da América Latina, proporcionando o descobrimento de grandes atletas brasileiros, é também um personagem invisível aos olhos das pessoas. Poucos jornalistas, torcedores, atletas e dirigentes saberiam responder quem é, de fato, Horácio Barioni.

É preciso reconhecer que não se trata de uma pergunta fácil. Este homem encarnou inúmeras facetas ao longo de sua trajetória. Foi cronista, um dos primeiros a trabalhar exclusivamente na editoria de esportes. Amante da arte e da pintura, ligado ao movimento modernista. Desenhista e publicitário. Combatente de guerra dentro de seu próprio país. Atleta e técnico pioneiro de basquete em São Paulo. Promotor de eventos esportivos, como os tours do Harlem Globetrotters pelo Brasil na década de 1950. Pai de família.

Baby Barioni morreu exatamente há 53 anos, em 6 de novembro de 1967, quando tinha 61 anos. Foi uma morte prematura. Como viajava muito entre a capital e o interior paulista, amigos achavam que tinha sofrido algum acidente de carro. Entretanto, era hipertenso e passou mal na madrugada do dia 5 para 6 de novembro. Foi levado ao hospital, mas não resistiu aos problemas cardíacos.

Reprodução de uma das últimas fotografias de Baby Barioni – Crédito: Arquivo Pessoal Edna Barioni

Sabe-se pouco de sua juventude. Seus pais, Orestes e Regina Barioni, desembarcaram no Brasil em 1888. Horácio Geraldo Barioni nasceu em 19 de maio de 1906 e foi um dos quatro filhos do casal que já nasceram no país. O apelido Baby (bebê, em inglês) o acompanha desde a infância, mas não há maiores explicações sobre a origem.

As incertezas sobre os primeiros anos, contudo, dão lugar à certeza do seu envolvimento no esporte. Desde a década de 1920 era associado ao Palestra Italia (hoje Palmeiras) e se envolvia com qualquer prática esportiva que conhecesse: atletismo, beisebol, futebol, rugby, entre outros.

Mas foi no basquete que se encontrou. Alto e forte, foi o pivô palestrino entre 1925 e 1932. Campeão paulistano em 1928, 1929, 1931 e 1932, campeão do primeiro Campeonato Paulista em 1932 e campeão do Torneio Início de 1931. Em uma pequena nota divulgada em 7 de novembro de 1967, o jornal Folha de São Paulo relatava:

Seu nome, considerado uma bandeira do esporte no interior paulista, já se destacava há 40 anos como jogador e posteriormente técnico de basquetebol

Essa dedicação não rendeu frutos financeiros. Não deixou nada para a família além do amor ao esporte e a valorização da educação. As filhas Edna e Aurea Magda (fruto de um relacionamento quando ainda era solteiro) estudaram e fizeram suas carreiras profissionais. A viúva Esther Ferreira o acompanhou em três décadas de sua vida e, indiretamente, possibilitou a criação dos Jogos Abertos do Interior.

O evento foi sua grande herança à posteridade. Idealizou uma disputa aberta entre cidades interioranas em 1927, quando ainda era jogador de basquete e cronista. Mas só conseguiu transformá-la em realidade apenas em 1936. Ainda assim por obra do acaso, ao perder o trem que o levaria a Rio Preto.

Comissão Organizadora da primeira edição dos Jogos Abertos do Interior (Prefeitura de Monte Alto)

O motivo? Queria conhecer mais a bela jovem de Jaboticabal que encontrou na ocasião. Pernoitou na cidade, apitou uma partida de basquete e ficou por lá até o fim do ano, quando realizou um Campeonato Aberto de Bola ao Cesto com o apoio da Associação Atlética Montealtense, presidido por Manoel Carvalho de Lima.

O sucesso da competição foi imediato e, nos anos seguintes, não só cresceu como se consolidou no calendário esportivo nacional. Porém, não foram só momentos de alegria. Com um temperamento forte, entrou em rota de colisão com o Governo Paulista, que tinha assumido a organização dos Jogos Abertos em 1939. Ele discordava de algumas decisões e, a partir de 1941, foi afastado do Comitê Organizador.

Retornou apenas em 1943, 1944, 1956, 1957 e 1958 a pedido das cidades-sede. Mas não escondia a mágoa de estar longe do torneio que ele idealizou sozinho. Curiosamente, em outubro de 1967, foi convidado para organizar os Jogos de 1968, numa tentativa de reaproximação com o poder público.

“Ele estava muito empolgado com isso. Já estava indo atrás de tudo para organizar o evento”, explica sua filha Edna. Não teve tempo. Faleceu um mês depois.

As lembranças póstumas são escassas. Em 1970, o Governo de São Paulo dá o nome de Horácio Baby Barioni ao Centro Esportivo localizado na região da Água Branca, na capital (fechado para reforma desde 2014). Em 2003, os Jogos Abertos do Interior também incorporam seu nome, transformando-se nos “Jogos Abertos do Interior – Horácio Baby Barioni”. Em Monte Alto há uma rua e um ginásio em sua homenagem.

São lembranças justas, sem dúvida, mas que não dão a exata dimensão da importância de Horácio Barioni ao esporte brasileiro. Desde sua morte, já tem, pelo menos, três gerações de jornalistas esportivos que não conheceram essa figura tão proeminente, que visitava as redações com frequência. Mas isso não pode servir como desculpa. A falta de memória no jornalismo esportivo brasileiro é um problema crônico.

Mas enquanto tiver algum atleta em cidade pequena que busca no esporte mudar a vida em sua comunidade, a memória de Horácio Baby Barioni, ainda que indiretamente, seguirá mais viva do que nunca.

Gustavo Longo é jornalista especializado em cobertura esportiva e Mestrando no Programa de Pós-graduação em Ciências da Comunicação na ECA/USP