CrônicasNA ACADEMIA

Evelyn Vieira fala de milagre em sua vida e da convocação para os Jogos Paralímpicos de Tóquio de 2021

Por Edwaldo Costa

Evelyn e seu auxiliar técnico Roberto “Calheiro”

Entre tantos significados para o nome Evelyn, ser uma mulher independente e inspirar a todos que a conhecem são características que se adequam à atleta Evelyn Vieira de Oliveira, 33 anos, jogadora de bocha paralímpica, na categoria BC3.

Nascida em Mauá, região do ABC Paulista, mudou-se para Suzano com 13 anos e com muita determinação foi conquistando uma legião de admiradores pelo mundo, principalmente após sua estreia nos Jogos Paralímpicos RIO 2016, ajudando o Brasil a conquistar a medalha de ouro nas duplas mistas.

Evelyn conta que o começo da sua caminha não foi fácil. Teve que lutar muito para conseguir as oportunidades que faltaram em sua vida. No Brasil, milhões de pessoas com deficiência ainda buscam a plena inclusão na sociedade: elas têm dificuldades para se locomover nas ruas, para fazer compras, usar o transporte público e até para praticar esportes.

“Eu só conheci o esporte quando estava terminando o ensino médio, isso aos 18 anos, porque eu não tive oportunidade de iniciar meus estudos antes, pois as escolas não me aceitavam por ser uma pessoa com deficiência”.

De acordo com a atleta, o esporte mudou não somente vida dela, mas também sua forma de enxergar o mundo e se sentir aceita dentro da sociedade.

“Eu costumo dizer que o esporte promove duas transformações: primeiro a intrínseca, que acontece quando se tem o contato com o esporte e seus valores, depois a extrínseca, que é quando transformamos o ambiente em que estamos”.

A bocha adaptada foi a modalidade que a fez sentir-se incluída na sociedade, como alguém com um papel a cumprir, e mostrou que ela poderia desenvolver habilidades que antes pareciam impossíveis. Logo mostrou talento, conseguiu se tornar campeã e foi convocada para a Seleção Brasileira de Bocha Paralímpica.

Evelyn Vieira tem incentivado as pessoas a praticarem esportes. Ela acredita que a atividade física pode provocar uma transformação ímpar, uma melhora na autoestima e melhor qualidade de vida, seja o esporte praticado por hobbie, seja para se tornar um atleta de alto rendimento.

“Eu conheci a bocha no final de 2010, quando passeava no shopping com a minha mãe, e uma mulher passou por nós duas vezes. Na segunda vez, ela me abordou e perguntou se eu conhecia as modalidades paradesportivas do Sesi e eu admiti que nunca tinha escutado falar. Então, ela me convidou a conhecer a bocha e, até então, não me via no esporte, porque minha visão de jogo/atleta era totalmente diferente, pensava que eu não me encaixaria por ser [o esporte] muito dinâmico”.

‘’EU ACREDITO DE VERDADE QUE MINHA VIDA É UM MILAGRE’’

Evelyn comenta que, quando nasceu, a medicina não conseguia explicar sua situação e dava pouco tempo de vida para ela. Somente em 2019, na Universidade de São Paulo (USP), ela teve o diagnóstico concluído sobre a doença: atrofia muscular espinhal (AME).

“Minha vida é um milagre porque meu desenvolvimento foi imenso, surpreendeu até a medicina, acabei conquistando muito além do que eu imaginava. Atribuo tudo isso a Deus, que me deu familiares e amigos que me motivam e também a pessoas que me não me conhecem, mas me admiram e consequentemente acabam me incentivando ainda mais. Todos são dignos da minha gratidão”.

A atleta também ressalta as conquistas dentro das quadras como importantes para sua vida.

“É impossível não citar o título da Paralimpíada, que me ensinou muito uma lição sobre superação: quando você constrói algo sólido, ainda que não esteja na sua melhor forma, você consegue atingir resultados que surpreendem até a si mesmo. E foi isso que eu aprendi em 2016 na competição do Rio, ganhei uma medalha que significa muito para mim. Contudo, eu sempre lembro do meu primeiro título individual no campeonato brasileiro de 2014, que me faz lembrar que desses 11 anos de carreira, cinco foram construindo a base, me preparando, e no restante dos anos fui colhendo o fruto desse trabalho. Digo isso porque até antes de 2014 eu nunca chegava lá, sempre ficava no quase, mas esse campeonato foi um divisor de águas, e depois finalmente consegui mais conquistas. Também foi marcante o Parapan-Americanos de Lima 2019, eu consegui duas medalhas de ouro. Também ganhei um troféu de melhor atleta em 2017”, explica Evelyn.

A jogadora diz não se preocupar por não haver separação de gêneros na competição de bocha. Ela acredita que esse desafio entre homens e mulheres, além de equipará-los, faz com que ambos se estimulem, se desafiem, e esse desafio os faz melhorar.

É sempre bom relembrar que a Evelyn colocou a bocha em evidência não somente no Brasil, como também no mundo. Com humildade, ela diz que foi o esporte que a ajudou a descobrir seu propósito de vida e que inspirar, de acordo com o dicionário grego, é colocar ar nos pulmões. Por isso, também quer inspirar, colocar ar no pulmão de outras pessoas e retribuir o que um dia fizeram por ela, seja no esporte ou na vida.

Como ídolos têm o jogador Cristiano Ronaldo, detentor de dois prêmios The Best, além de cinco “Bolas de Ouro”, e o Dirceu Pinto, jogador de bocha que conquistou quatro medalhas de ouro em duas edições dos Jogos Paralímpicos (Londres e Pequim).

“O Cristiano, porque com muito trabalho e dedicação, alcançou um desempenho e uma performance exemplar, isso me chama a atenção, porque o esporte é você superar os seus limites. Além disso, admiro o atleta paralímpico Dirceu Pinto, que faleceu no ano passado, mas como costumo dizer: herança é o que se deixa para os outros, legado é o que se deixa dentro dos outros. E ele deixou uma marca muito grande, desenvolveu um mega projeto em Mogi das Cruzes para pessoas com deficiência. Ele foi campeão na vida e não deixou que parasse nele, essas conquistas alcançaram outras pessoas e isso me ensina muito”!

Acostumada a treinar com muitas pessoas, durante a pandemia da Covid-19, precisou se adaptar. Construiu um espaço na casa dela para continuar treinando. No começo a mãe ajudava como auxiliar, porque na classe BC3 precisa de alguém para ajudar a manipular o aparelho. Com o tempo, o SESI Clube permitiu que o auxiliar fosse treinar com ela na residência, sempre respeitando as normas de segurança. Desde então, treina não somente para as competições, mas também para atingir metas diárias.

“Os torcedores podem esperar uma Evelyn que chegará na competição buscando dar o seu melhor para representar o Brasil. Alguém que com o impacto dos Jogos Rio 2016 entendeu como nunca o quanto o esporte é transformador e o quanto podemos incentivar e inspirar alguém a buscar os seus sonhos”.

Edwaldo Costa possui pós-doutorado pela ECA-USP e atualmente é jornalista do Centro de Comunicação Social da Marinha do Brasil