Crônicas

Zeitgeist

Eu costumo brincar que o Zeitgeist poderia ser um atacante reserva da Alemanha que entrou no segundo tempo para fazer o oitavo, o nono, o décimo e quem sabe até o décimo primeiro gol naqueles 7 a 1 do Mineiratzen, que saíram barato e que até hoje povoam os pesadelos de muitos de nós que gostamos de futebol ou que sofremos de Brasil – aliás já repararam que depois dos 7 a 1 o Brasil só desandou? Que só “deu ruim” para o país?

Mas infelizmente o Zeitgeist é muito pior do que o atacante reserva da Alemanha que povoa os meus, os seus, os nossos pesadelos. Ele é o espírito do tempo e o espírito do nosso tempo inspira pesadelos ainda piores. Voltando ao eterno jogo de futebol que espelha a vida, me deparo com a notícia de que o Santos Futebol Clube decidiu censurar o UOL, descredenciando jornalistas do veículo que trabalham como setoristas na cobertura jornalística do clube. O pretexto da censura foi retaliar uma coluna de Juca Kfouri, na qual o veterano jornalista esportivo faz críticas ao time.

Em primeiro lugar, os minúsculos dirigentes do gigante Alvinegro Praiano que tomaram essa decisão em nome do clube e da torcida – que eu imagino que, em sua maioria provavelmente não concorde com essa pixotada – não devem ter consultado no mínimo a sua assessoria de imprensa. Se o tivessem feito, saberiam que do colunista Juca Kfouri – que aliás é um dos melhores do meio esportivo – esperam-se opiniões. E correspondendo a essa expectativa, ele opinou. Pode-se concordar ou discorda, mas como diz um provérbio muito usado por jornalistas, a opinião é livre.

Os dirigentes santistas não se ativeram à segunda parte do tal provérbio, que diz que ‘os fatos são sagrados’ (a opinião é livre, os fatos são sagrados). Os repórteres credenciados para cobrir o clube estão lá não para dar sua opinião sobre o que acontece, mas para reportar os fatos a quem se interessa pelos fatos – como por exemplo, a torcida do próprio Santos. Ao misturar alhos com bugalhos os cartolas santistas mancham a história do clube.

Infelizmente é como se eles estivessem contratando o Zeitgeist, o atacante alemão dos meus pesadelos. Ou melhor, a decisão autoritária de censurar o veículo em vez de debater as críticas do colunista que emitiu a sua opinião, se encaixa no espírito de um tempo perigoso, em que flertamos com o totalitarismo. Tempos em que o inominável, o mau exemplo e mau elemento mor desta nação, se acha no direito de simplesmente colocar segredo de 100 anos nas suas agendas com os pastores suspeitos que comandavam o MEC e que embora fossem supostamente cristãos, poderiam dizer que ‘inshalá’, queriam muito ouro em troca de liberar as verbas da Educação (o segredo de 100 anos é uma mistura de confissão de culpa com obstrução de justiça).

Voltando ao Santos, no fundo, é provável que a decisão dos cartolas santistas tenha sido tomada conscientemente, sabendo a diferença entre espaço informativo e espaço opinativo num veículo jornalístico. A medida tem a intenção deliberada de censurar e de atacar a liberdade de imprensa, um dos pilares de uma sociedade que se queira minimamente democrática. Talvez os tais cartolas ganhem alguns likes, principalmente daqueles que defenderam a contratação de Robinho, mesmo depois de condenado em última instância por estupro pela Justiça italiana. Mas quem perde com isso é a torcida santista e principalmente a sociedade como um todo, que vê com espanto o grande monstro do liberticídio a se criar. Não é só futebol…

Fábio Alves Silveira é jornalista, doutor em Comunicação pela FAAC/UNESP e professor da Universidade Estadual de Londrina (UEL).