ALTA ROTAÇÃO

Max Verstappen já é melhor do que Michael Schumacher?

Não. Max Verstappen não é maior do que Michael Schumacher. Mas, na verdade, o título deste artigo é só um exemplo de como as coisas funcionam atualmente no mundo da comunicação. Quem disse que Max é maior do que Michael foi David Coulthard, piloto com 14 vitórias na Fórmula 1, e que faz entrevistas com os pilotos depois da corrida.

Claro que uma fala como essa repercutiu imediatamente no Twitter, que é a rede social preferida dos fãs da F1. Antes de irmos para a questão da comunicação, que é mais interessante do que a falsa polêmica envolvendo Verstappen e Schumacher, vale um rápido resumo da carreira de ambos.

Michael tem 91 vitórias, 68 poles e 7 títulos, sendo 5 deles consecutivos (coisa que nem Juan Manuel Fangio conseguiu). Ainda se deu ao luxo, no final da carreira, de desenvolver o carro da Mercedes em seu retorno à F1, chegando a 307 GPs. A Mercedes ficou décadas afastada dos campeonatos mundiais por causa do acidente que matou mais de 80 pessoas nas 24 Horas de Le Mans de 1955.

Como havia sido patrocinado pela Mercedes antes de correr na Fórmula 1, Schumacher decidiu voltar a correr, mesmo piorando a estatística de seus números, como forma de agradecimento à casa de Stuttgart.

Max, por sua vez, tem 30 vitórias em 156 corridas (até o GP da Holanda de 2022). Somou também 17 poles e foi campeão mundial de 2021, após uma decisão da direção de prova que prejudicou Lewis Hamilton e impediu o oitavo título do piloto inglês. Em 2022, tudo indica que Verstappen conquistará seu bicampeonato – este sem nenhuma interferência externa na pista.

Por óbvio, é cedo demais para comparar Max Verstappen com Michael Schumacher. Porém, estamos vivendo na sociedade do excesso e na modernidade líquida, duas denominações para um tempo extremamente acelerado. Essa aceleração do tempo faz com que o passado seja facilmente esquecido.

Na sociedade atual, mesmo no esporte, que está repleto de referências histórias, o excesso de competições, as redes sociais digitais e a falta de paciência para relaxar e curtir os fatos ocorridos levam à exacerbação dos feitos do dia. Não é correto achar que tudo que aconteceu no passado foi melhor, mas também é errado descartar o passado com tanta rapidez.

Para a sociedade midiática do excesso, na qual o diretor de redação é o SEO e o conselho editorial é o Google Trends, só o fato de alguém colocar em dúvida se Schumacher fez menos do que já fez Verstappen já cria um “buzz”. Nas redes sociais, isso se torna incontrolável, pois mesmo quem é contra essa tese, ao colocá-la em questão, contribui para deixá-la em evidência.

Para quem faz jornalismo, entretanto, isso deveria ser a não notícia. Dar voz a David Coulthard numa questão como a de Schumacher e Verstappen só colabora para colocar em discussão algo que não é discutível no momento. Especialistas em Fórmula 1 têm obrigação de saber disso. Quando tinha 156 corridas no currículo, Michael já era tetracampeão do mundo.

Guardadas as devidas proporções, é como debater Fake News ditas por governantes. Durante meses o Brasil discutiu algo que não era discutível: a credibilidade das urnas eletrônicas. Bolsonaro conseguiu pautar as editorias políticas e até mesmo as questões do Judiciário.

Por outro lado, não dá para ignorar algumas falas. Este texto, por mais que mostre como a não notícia hoje em dia se transforma em notícia, também ajuda a dar um valor que a fala de David Coulthard simplesmente não tem. É com esse tipo de dilema que nós, jornalistas, nos deparamos na atualidade. Ao desmentir não notícias, elas acabam se transformando em notícias, porém negadas.

Por causa disso também, no caso da Fórmula 1, seria melhor se os jornalistas fizessem a comparação das estatísticas pelas diferentes fases da categoria. Ou, pelo menos, usassem o percentual de vitórias e poles por corridas disputadas. Só assim feitos como o de Juan Manuel Fangio, Michael Schumacher e Lewis Hamilton terão seu valor histórico preservados e à prova dos excessos de uma sociedade que supervaloriza o presente e despreza o passado.

 

Michael Schumacher: só Fangio e Hamilton podem ser comparados a ele.

 

* SÉRGIO QUINTANILHA É JORNALISTA E DOUTORANDO EM CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO NA ECA-USP