ESPÍRITO ESPORTIVO

Rádio 100 anos: A profunda conexão entre esporte e ouvinte

O mês de setembro foi marcado pelas comemorações referentes aos cem anos desde a primeira demonstração pública oficial do rádio no Brasil, em 7 de setembro de 1922, no Rio de Janeiro.

O rádio brasileiro e o esporte estabeleceram profunda conexão, principalmente a partir dos anos 1930, quando o então presidente Getúlio Vargas autorizou a publicidade nesse meio de comunicação.

Com a decisão as emissoras organizaram suas programações para atingir o maior número de ouvintes. O futebol, em crescente aceitação pelas classes trabalhadoras, foi uma das táticas adotas para atrair audiência.

Criava-se, portanto, um vínculo único que seria abalado a partir dos anos 1960 com o avanço da televisão pelo país. Alguns momentos marcantes envolveram a supremacia do rádio nessa feliz união com o esporte e o ouvinte: vamos relembrá-los!

Afinal, quem narrou pelo rádio o primeiro jogo de futebol do país?

Com apenas 20 anos o locutor Nicolau Tuma foi o primeiro a narrar pelo rádio uma partida inteira de futebol. Foi em 1931, durante o VIII Campeonato Brasileiro de Futebol, quando as seleções de São Paulo e do Paraná se enfrentaram e os paulistas venceram.

O jogo foi transmitido pela Rádio Sociedade Educadora Paulista e de acordo com a pesquisadora Edileuza Soares naquele dia foi criada uma técnica para a transmissão direta de futebol.

Tuma possuía a capacidade de ler rapidamente e se fazer entender, por isso, ganhou o apelido de ‘speaker metralhadora’, em alusão ao verbo inglês que se traduz ‘falar’ (não havia o termo ‘locutor’). O narrador tinha um estilo realista, objetivo e não usava figuras de linguagem.

Graças ao rádio, o futebol ganhou a dimensão de esporte de massa e, ao mesmo tempo, a caixinha sonora se firmava como um importante meio de comunicação no Brasil.

 

 “O narrador nada mais é do que um fotógrafo do que acontece. Ele fotografa com a voz e comunica tudo o que está havendo” (Nicolau Tuma)

 

A São Silvestre e a corrida pelas ondas do rádio

A famosa corrida de São Silvestre teve sua primeira edição no dia 31 de dezembro de 1925. Foi uma iniciativa do empresário e jornalista Cásper Líbero, dono do jornal A Gazeta, em São Paulo.

Participaram 48 atletas e o grande vencedor foi o jogador de futebol Alfredo Gomes, conhecido como Rei do Fôlego, recordista nacional do percurso entre as cidades de São Paulo e Santos cujo trecho liga a capital do estado ao litoral e tem 60 quilômetros.

A largada ocorreu às 22h30 na frente do Parque Trianon, na Avenida Paulista. O fim da prova foi atingido na Praça dos Esportes, na Ponte Grande (hoje, Ponte das Bandeiras).

Somente em 1948, porém, é que a São Silvestre foi transmitida ao vivo pela Rádio Gazeta, quando já era uma prova mais do que tradicional para o paulistano como descreveu o jornalista Dácio Nitrini (2019, p. 73):

 

“Ao longo das décadas, famílias cultivaram a tradição de se reunir ao pé do rádio na expectativa do disparo da sirene da Gazeta”.

 

Exatamente à meia-noite, mesmo antes da corrida acabar, as pessoas se abraçavam, se cumprimentavam e brindavam o novo ano que estava começando.

O rádio que fazia o ouvinte ‘se mexer’

Foi um professor de Educação Física que imortalizou a ginástica transmitida pelo rádio durante 51 anos. Oswaldo Diniz Magalhães veiculava, em seu programa Hora da Ginástica, conceitos sobre saúde, moral e civismo e ensinava o ouvinte a praticar atividade física.

A partir de 1932, pela Rádio Educadora Paulista, o professor detalhava cada passo de movimentos que poderiam ser executados em casa, ao pé do rádio e ao som – ao vivo – de um piano. Oswaldo Diniz percebeu que ali estava “o meio comunicacional mais poderoso da época” (CAMARGO, 2005, p.7).

O programa foi distribuído para outras emissoras: Rádios MEC, Roquette Pinto, Nacional e Globo. O professor cursou Educação Física no Uruguai e, quando voltou para o Brasil, conseguiu apoio para o seu programa radiofônico.

A ideia era propiciar condições de melhorar a saúde do brasileiro por meio dos seus ensinamentos que incluíam mapas com desenhos dos exercícios e eram vendidos em bancas de jornais. O ouvinte, portanto, poderia seguir mais facilmente as orientações.

O ouvinte acompanhava a ginástica pelos mapas.

Rádio, futebol, bicicleta e chocolate: o fenômeno Leônidas da Silva

O jogo Brasil 6 x 5 Polônia, em 1938, na França, marcou a nossa primeira transmissão esportiva em cadeia nacional de rádio durante uma Copa do Mundo. As cinco partidas da seleção brasileira foram irradiadas.

As transmissões ocorreram por meio da Cadeia de Emissoras Byington formada pelas Rádios Clube do Brasil e Cruzeiro do Sul (Rio de Janeiro), Cosmos e Cruzeiro do Sul (São Paulo) e Clube de Santos (Santos – SP). Colaboraram com o esquema o Jornal dos Sports e O Globo.

O artilheiro da Copa de 1938 foi Leônidas da Silva (1913 – 2004), um dos jogadores mais importantes dos anos 1930 e 1940. A imprensa francesa o apelidou de “Homem de Borracha”.

Os brasileiros o associam ao gol de bicicleta, por ele tornado imortal, e ao apelido que recebeu pela sua excelente técnica: Diamante Negro. O sucesso de Leônidas era tal que a fábrica de chocolates Lacta criou o produto que recebeu o nome de Diamante Negro e ainda está no mercado.

Depois da aposentadoria o atleta foi comentarista nas Rádios Record e Panamericana de São Paulo, trabalho que realizou até 1974.

O gol que imortalizou Leônidas da Silva (Divulgação – Alberto Sartini).

O rádio acelera mais veloz do que nunca

A primeira conquista de um campeonato mundial de Fórmula 1 por um brasileiro ficou imortalizada graças a dois personagens: o rádio e “Barão” Wilson Fittipaldi. Foi ele quem narrou pela Rádio Panamericana (Jovem Pan – SP), ao vivo, a vitória do filho, Emerson Fittipaldi, no GP da Itália no circuito de Monza, em 1972:

 

“É o Brasil, ganhando o Campeonato Mundial de Automobilismo pela primeira vez na história. É o Emerson Fittipaldi, Campeão Mundial de Automobilismo!”  (Wilson Fittipaldi, 1972).

 

Fittipaldi, o Barão, também foi pioneiro ao transmitir para o Brasil, em 1949, a primeira corrida automobilística estrangeira. A irradiação se deu pela Panamericana que ficou conhecida como a emissora dos esportes.

A partir da Itália Fittipaldi narrou o GP de Bari e havia a expectativa de o brasileiro Chico Landi vencer pelo segundo ano seguido, o que não ocorreu. A F-1 estava prestes a nascer e o Barão se tornaria um dos responsáveis por ajudar a criar uma cultura do esporte automotor entre os brasileiros.

Rádio, Jogos Olímpicos e a emissora dos esportes

A Rádio Pan-americana transmitia jogos de futebol, mas foi além e cobria outras modalidades como vôlei, basquete e tênis, fazendo valer o rótulo de a pioneira nos esportes.

Um exemplo da variedade na cobertura esportiva foram as transmissões e boletins diários durante os Jogos Olímpicos de Londres, em 1948, algo que as concorrentes não faziam.

E, direto da Inglaterra, o acompanhamento dos principais eventos e seus resultados era realizado pelo jornalista Caetano Carlos Paioli (1907 – 1992) que, também era editor de Atletismo de A Gazeta Esportiva, um dos primeiros a se especializar na cobertura desta modalidades esportiva.

A partir dos anos 1960 o rádio sofreu maior impacto do avanço da televisão e a contínua transferência dos profissionais para o novo meio de comunicação que se firmava no Brasil, mas, ainda assim, se reestruturou e inovou na programação e em tecnologias o que possibilitou que continue muito vivo no país.

 Para conhecer mais:

CAMARGO, Vera Regina Toledo. A trajetória da mensagem esportiva: dos sons à imagem paulistana. Campinas: Unicamp, 2005. Disponível em:  http://www.portcom.intercom.org.br/pdfs/4bda965829a410175c1ec3cb770190a0.PDF. Acesso em: 18 set. 2022.

MUSEU DO FUTEBOL. Centro de Referência do Futebol Brasileiro. LEÔNIDAS DA SILVA. Disponível em: https://dados.museudofutebol.org.br/#/tipo:personalidades/470808,Le%C3%B4nidas. Acesso em: 18 set. 2022.

NITRINI, Dácio. Cásper Líbero: jornalista que fez escola. São Paulo: Terceiro Nome, 2019.

ORTRIWANO, Gisela S. França, 1938:  III Copa do mundo: O rádio brasileiro estava lá. 1999. http://www2.eca.usp.br/pjbr/arquivos/23o07.PDF.pdf. Acesso em: 19 set. 2022.

RÁDIO MEC. Cem anos do rádio no Brasil: Oswaldo Diniz e a ginástica no rádio. 2022. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/radioagencia-nacional/cultura/audio/2022-07/cem-anos-do-radio-no-brasil-oswaldo-diniz-e-ginastica-no-radio. Acesso em:  18 set. 2022.

SOARES, Edileuza. A bola no ar: o rádio esportivo em São Paulo. São Paulo: Summus, 1994.

VENANCIO, Rafael Duarte Oliveira. Barão Wilson Fittipaldi e a invenção do radiojornalismo esportivo automotor. In: Newton Dângelo; Sandra Sueli Garcia de Sousa. (Org.). Noventa anos de rádio no Brasil. 1ed. Uberlândia: EDUFU, 2016, v., p. 161-176. Disponível em: http://www.edufu.ufu.br/sites/edufu.ufu.br/files/e-book_90_anos_de_radio_2016_0.pdf. Acesso em: 24 set. 2022.

Marcelo Cardoso é jornalista, biógrafo, professor universitário e produtor de podcast. Pesquisa o jornalismo em suas várias interfaces com o esporte. Contatos:

 

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