EM DISPUTA

Torcidas organizadas e barras: diferenças e hibridismo

Longe de adotarem um estilo único de torcedor, as diversas associações presentes nas arquibancadas brasileiras seguem diferentes tradições. A hegemônica (menos no Rio Grande do Sul) foi desenvolvida pelas torcidas organizadas da segunda geração, que nasceram na segunda metade dos anos 1960, a fim de atuarem como um mecanismo de pressão sobre os dirigentes dos clubes e, ao mesmo tempo, participarem do espetáculo futebolístico de forma mais ativa e crítica. Ainda que possam existir algumas diferenças regionais entre essas torcidas, podemos afirmar que, em geral, elas fazem uso de bandeiras com mastro, enormes bandeirões, mosaicos (sobretudo depois do encadeiramento das arquibancadas), papel picado, balões, fumaça, sinalizadores e faixas. Elas também promovem diversas coreografias e seus cantos são fortemente influenciados pelas batidas do funk e do samba.

Outra tradição presente nas arquibancadas brasileiras é aquela advinda da Argentina e de outros países latino-americanos, que é levada a cabo pelas barra-bravas ou, simplesmente, barras. Além dos tradicionais papéis picados, bandeiras, sinalizadores, bandeirões e outros elementos utilizados pelas torcidas organizadas brasileiras, as barras fazem uso de guarda-chuvas, que animam coreografias que lembram o frevo, bem como usam tirantes e trapos. Os instrumentos utilizados para animar as partidas também não são exatamente os mesmos. Além de fazerem uso de instrumentos de sopro, elas utilizam um tipo de bumbo específico, com um par de pratos em cima, que é chamado de murga, enquanto que as torcidas organizadas utilizam apenas instrumentos de percussão.

É interessante notar que o desenvolvimento das competições continentais e sua transmissão televisiva não apenas têm levado algumas associações torcedoras brasileiras a adotar o estilo das barras argentinas, mas, também, têm intensificado um processo de hibridização entre as duas tradições torcedoras. Por exemplo, há alguns anos, os Gaviões da Fiel animam as arquibancadas corinthianas com uma adaptação do cântico “Vamos…”, que nasceu, nos anos 1990, em uma barra peruana e que, posteriormente, se tornou muito popular entre as barras latino-americanas. Por outro lado, barras de países vizinhos, como a própria Argentina, apropriam-se e adaptam músicas brasileiras, como “Ilariê”, da Xuxa. Ainda que o desdobramento desse processo de hibridização seja, evidentemente, uma questão em aberto, ele não deixa de colocar em xeque qualquer tipo de “ortodoxia cultural”, que, em geral, nada mais é do que uma forma dissimulada de xenofobia.

* Felipe Lopes é pesquisador e professor universitário