ALTA ROTAÇÃO

Algoritmo toma lugar do leitor na prioridade dos jornalistas

Já é fato sacramentado para jornalistas que escrevem para a internet e precisam de audiência para rentabilizar o site: o algoritmo tomou o lugar do leitor como prioridade número 1. A regra que aprendemos na faculdade – o leitor em primeiro lugar – não vale mais. Antes de pensar no leitor, é preciso pensar no algoritmo.

Muitos já se acostumaram com as exigências do SEO (Search Engine Optimization), que é o motor de busca consagrado pelo Google. Os títulos devem começar, de preferência, com a palavra-chave, que deve estar na primeira frase do texto e ser repetida à exaustão.

Por exemplo: nunca texto sobre Lewis Hamilton, deve-se evitar termos como “piloto inglês”, “piloto da Mercedes”, “heptacampeão”, “piloto do carro 44” etc.; é preciso repetir Hamilton, Hamilton, Hamilton o máximo de vezes possíveis. Fica deselegante? Pode ser. Mas é assim que é. Outros itens que o SEO aprecia são links para outras matérias, vídeo embedado e intertítulos. E o texto deve ser original, com pelo menos 300 palavras.

Porém agora estamos num estágio ainda mais sofisticado desse controle sobre a criação jornalística. Se o SEO já era uma espécie de revisor chato e durão, o algoritmo assume como diretor de redação implacável. Você pode fazer o texto do jeito que quiser, mas para atingir seu público precisa se submeter ao algoritmo.

O algoritmo está emburrecendo a sociedade, acabando com o contraponto e ameaçando as democracias. O algoritmo cria bolhas que acabam se tornando impenetráveis. Então você, como jornalista, precisa penetrar nessas bolhas, ou pelo menos escolher algumas delas.

Esqueça a home page. Ela perdeu valor e não faz milagre. As pessoas chegam às matérias através de links de outras matérias ou conteúdos. O importante agora é cair no “Discovery” do Google, ou no Google Api, que é aquela seleção de notícias que aparece em alguns celulares quando você arrasta a tela para a direita e não para a esquerda. É ali que está o fim do arco-íris com o pote de ouro da audiência.

Para tanto, é preciso criar o texto a partir do título. O texto precisa entrar imediatamente no tema proposto pelo título. Mas nem o título nem o texto podem entregar tudo logo de cara. Além de fisgar o leitor por meio do algoritmo, você precisa ter a capacidade de conduzi-lo por alguns parágrafos, texto abaixo, para que os anúncios sejam visualizados na página.

Sem visualizações de anúncios não há faturamento. Como hoje em dia os salários se tornaram raridade, a não ser em alguns grandes veículos de mídia, é preciso faturar por meio de cada matéria. O fim de cada parágrafo deve levar o leitor a se interessar pelo parágrafo seguinte.

Mas se o SEO tem no texto a maioria de suas exigências, o algoritmo pega pelo título. Muitas pessoas leem apenas o título e se consideram informadas. Por isso, o título tem que ser uma isca, mas não abuse da paciência do leitor porque ele também não é burro; muitos sabem identificar clickbaits (iscas falsas para criar audiência) e podem rejeitar seu conteúdo.

Portanto, o título precisa ser inédito, informativo e instigante. Mas não em 100% dos casos. Há títulos que precisam ser contundentes. É preciso mostrar ao algoritmo que ali existe algo inédito ou útil, com potencial para atrair muito interesse. Não se esqueça que hoje o jornalismo se constitui numa disputa por atenção e não mais por espaço, como era antigamente.

O título deste artigo, por exemplo, é uma exceção. Ele está publicado num site acadêmico e que não tem necessidade de bombar, pois o interesse aqui não é comercial e sim didático. Mas, se fosse para atrair maior interesse, ao invés de “algoritmo toma lugar do leitor na prioridade dos jornalistas”, poderia ter outras formas.

Por exemplo: “algoritmo é o novo terror dos jornalistas” (a palavra terror é forte); “jornalistas sofrem com diretor de redação digital” (traz um conceito novo); “conheça o novo terror dos jornalistas” (remete a curiosidade e tem palavra forte); “a palavrinha que todos os jornalistas temem” (curiosidade) ou ainda “leitor deixa de ser a prioridade dos jornalistas” (causa espanto).

Em todos os casos, note-se, o título chega a pessoas interessadas no assunto “jornalistas”; a partir daí o título pode ser didático, curioso, opinativo ou sensacionalista. Depende das características de cada mídia, da forma que o jornalista quer chegar ao leitor. O importante é saber que antes do leitor existe um déspota: ele se chama algoritmo.

Se o déspota de ocasião, o algoritmo malvado, não entender que a sua matéria pode ser útil a determinados públicos, se ele se perder na multidão de títulos, sua matéria estará fadada ao fracasso de audiência. Pode ser o melhor texto do mundo, mas é preciso vir com um título eficiente. Não adianta lamentar, espernear ou protestar. É preciso aceitar e, a partir daí, fazer um conteúdo que o diferencie de qualquer ChatGPT da vida.

 

* Sérgio Quintanilha é jornalista e doutorando no Programa de Pós-graduação em Ciências da Comunicação