OLIMPÍADA & CAIPIRA

Por que há tantas mudanças no jornalismo esportivo?

A recente onda de demissões no departamento de esportes da Rede Globo, que já serviu de gancho a esta coluna no mês passado, novamente entrou em cena durante o planejamento e a confecção deste texto. Na mais recente lista de cortes efetuada pela emissora estão nomes conhecidos do público, como Maurício Noriega e Régis Rösing. É natural que o burburinho tome conta das redes sociais com este movimento de mercado. Mas o questionamento não deve ser feito apenas à Globo, mas a todos os veículos jornalísticos. Afinal, o que está acontecendo com o jornalismo esportivo?

Nos últimos anos nos acostumamos a acompanhar mais o enxugamento das redações e a extinção de projetos esportivos do que propriamente um investimento maior nesta área. Quer um exemplo? Os Jogos Pan-Americanos, adquiridos com exclusividade pela Rede Record para a televisão aberta em 2011, corre o grande risco de não ter transmissão de sua edição de 2023 nas emissoras de sinal aberto – outrora exclusiva, a Record rescindiu unilateralmente o contrato em meio à crise desencadeada pela pandemia de covid-19. Vários eventos tiveram que renegociar direitos de transmissão, enquanto editorias esportivas em grandes jornais e portais foram reduzidas a um ou outro profissional.

Assim, se no mês passado eu resolvi olhar para frente e pontuar os caminhos que o jornalismo esportivo pode seguir a partir dessas mudanças, agora é necessário fazer o caminho inverso. Ou seja, olhar para trás e compreender as causas que levaram diversos meios de comunicação a cortarem suas equipes e mudarem a forma como encaram a práxis jornalística nesta área.

“É a economia, estúpido”

A frase que estampa o subtítulo não é minha e tampouco foi proferida na área esportiva. Ela foi criada por James Carville, assessor da campanha de Bill Clinton à presidência dos EUA em 1992, e explicava a mudança do eleitorado que elegeu seu candidato à Casa Branca. Em outras palavras, é a situação econômica que tem o poder de mudar (ou manter) processos em nossas vidas, nas empresas e na sociedade como um todo.

A questão é que a economia não é mais a mesma de trinta anos atrás. O avanço das tecnologias de comunicação fez com que a própria informação se tornasse o principal produto a ser consumido – a economia em rede proposta por Manuel Castells. Esse paradigma promoveu profundas transformações para as empresas de mídia. A audiência mudou de forma significativa nesse período. Era questão de tempo para isso se refletir nos contratos publicitários – e a pandemia de covid-19 apenas acelerou esse processo. Era preciso reduzir despesas, o que invariavelmente leva a cortes de jornalistas.

O consumo mudou…

A crise econômica, contudo, não é a única explicação possível. O que a faz se destacar é justamente a mudança estrutural que provocou no consumo midiático em todo o mundo. Antes, para acompanhar alguma partida de sua equipe ou se informar sobre o seu esporte favorito, era necessário se planejar para ver/ouvir o programa na TV ou no rádio, ou sair para comprar o jornal e a revista.

Isso criava uma comunidade de torcedores que também se fidelizava ao veículo jornalístico em questão, uma vez que ele era associado a ter sempre “as melhores informações”. Hoje, a informação está em todo lugar. Logo, não há porque esperar pelo programa favorito ou a edição do jornal. A “propagabilidade” de Henry Jenkins transforma os torcedores não apenas em consumidores, mas também em produtores da informação esportiva em muitos casos – ou até mesmo os clubes, atletas e federações, que podem assumir esse papel para trazer as notícias que mais lhes interessam, evidentemente.

Não à toa, um estudo da Reuters aponta que os usuários mais jovens são leitores “casuais” de notícias, acompanham nas suas mídias sociais preferidas e menos conectados (engajados) aos veículos jornalísticos. Em suma: eles não se interessam pela fonte da informação, mas pelo formato dela.

… e a produção de notícias também!

A lógica comercial afirma que a empresa deve ocupar o mesmo ambiente de seu público. Nesse caso, se os usuários mais jovens estão consumindo informações em suas redes sociais, percebe-se uma migração dos veículos jornalísticos para esse ecossistema – e sua linguagem, claro. Pesquisa de tendências da Reuters para 2023 mostra que editores pretendem concentrar seus esforços de distribuição de notícia em plataformas como TikTok, Instagram e YouTube, aumentando investimento em vídeos e modelos de assinaturas especiais, como newsletters.

Assim, fica claro que a produção de notícias também mudou. Hoje, não faz sentido investir pesado em direitos de transmissão e montar uma grande equipe jornalística para dar conta de todas as demandas esportivas. Faz o que der – e aproveita o conteúdo que circula livremente pela Internet das próprias entidades, atletas e equipes. O investimento só vai ser feito nos eventos que cada empresa ponderar que compensa para seus objetivos comerciais.

É a “imprensa minimalista”, como bem pontuou Ciro Marcondes Filho. Em vez de gastar tempo em histórias aprofundadas e que promovem reflexão sobre a área esportiva, mais fácil repercutir polêmicas vazias, contar uma história superficial com roupagem “moderna” e incentivar o compartilhamento e clique dos torcedores.

Não espanta, portanto, que jornalistas esportivos consagrados resolvam montar seus próprios canais a se aventurar em outros veículos jornalísticos. Direitos de transmissão que antes se concentravam a poucas emissoras são distribuídas atualmente a diferentes streamings, com as próprias entidades esportivas criando seus modelos de transmissão em muitos casos. O jornalismo esportivo se pulverizou.

O jornalismo esportivo nunca mais será o mesmo

As mudanças na economia, no consumo midiático e na produção de notícias remodelaram o fazer jornalístico ao longo das últimas três décadas. O conflito entre interesse público e interesse do público se acentuou. No caso do jornalismo esportivo, em que a linha entre informação e entretenimento já era tênue, esse dilema passou a fazer parte da rotina dos profissionais. Cada vez mais o objetivo será entreter, e não informar, os torcedores.

É uma situação problemática, sem dúvida, ainda mais em algo que movimenta muito dinheiro e que, sim, impacta a vida das pessoas. Entretanto, não adianta mais lamentar pelas mudanças. O que resta é compreendê-las e encontrar alternativas para que o jornalismo esportivo mantenha sua importância e que a cada meme vazio nas mídias sociais possa trazer histórias que mostram o esporte como ele é: a engrenagem que faz a sociedade girar.

* Gustavo Longo é jornalista esportivo e mestre em Ciências da Comunicação pelo PPGCOM – ECA/USP