Crônicas

Os que vem do banco

 Por Daniel Tubone Simões

“Daniel, você vai entrar!”. Aquelas palavras mal faziam sentido ao entrar em minha cabeça. Confesso que na época, o dom de carregar uma bola entre as pernas estava longe de ser digno de alguns minutos em quadra. Espectador de luxo, eu acompanhava aquele belo time formado pelos grandes jogadores de futsal da oitava série e alguns felizardos da sétima série – da qual fazia parte.

            “Vamos Daniel! Não quer entrar não?”. O sentido consequente começava a entrar levemente pela minha orelha. Ia levantando minhas pernas bambas simultaneamente em que o estímulo sonoro passeava por meu tímpano. Na cóclea, só conseguia levantar aquela garrafinha de plástico e espremê-la a fim de extrair a última gota de água restante. O que na verdade servia como um tentativa desesperada de distração e demostração de tranquilidade – falha, obviamente. Assim que as palavras foram compreendidas por minhas células ciliares e meu cérebro lançava uma dose forte de adrenalina, senti meu coração estourando no peito.

            “Você vai no lugar do Bira. Fica lá atrás e apenas marca. Não se preocupa garoto, vá se divertir”. Bira era um colega de sala. Ao menos, a inveja de vê-lo constantemente entre os famigerados 5 jogadores que iniciam uma partida e, agora, substituí-lo gerava uma boa liberação de endorfina. Não vou dizer que nunca havia entrado em um jogo, já que àquela altura já nos encontrávamos no meio do campeonato. O grande problema é que o jogo não estava fácil como sempre, muito menos como nos momentos em que nosso técnico optava por me lançar às quatro linhas. Tratava-se de uma semifinal contra a única escola que não havíamos vencido na fase de classificação. O placar estava em 3 a 2 para a Nossa Senhora dos Remédios, que além de ter uma boa equipe, era acompanhada de perto por uma Santa – coisa que deveria ser pouca para um ateu como eu.

            “Boa sorte, Dani”, disse-me Bira enquanto me dava um leve abraço e abria as portas do purgatório. O primeiro passo dentro da quadra foi sucedido por uma sensação de bocejo: quando seus ouvidos estão lá intactos, mas você só consegue ouvir um zumbido forte. Fui para minha “posição”. Atrás, quase me escondendo atrás de uma marcação que fazia do pivô com mais de 20 centímetros e 12 meses de idade que eu. Mas a estratégia ia dando certo. Um minuto passou e nada da bola chegar perto dos meus pés. Alívio. O segundo minuto foi ainda melhor. Bola para o pivô e eu, sem saber direito o que fazia com minhas finas pernas, consegui chutar para lateral. Terceiro minuto e já começava a ganhar um pouco de confiança. Para mim o resultado daqueles três minutos era motivo de comemoração, mas a cada segundo que se passava, mais perto da derrota e da eliminação minha escola estava.

            “Bira, vou te colocar de novo. Você tem que sair mais de trás e chutar mais no gol”. Ouvi, usando um pouco de minha imaginação, meu técnico trocando palavras com Bira, meu provável  algoz. Naquele momento, os três minutos já eram suficientes para apitar meu lado ambicioso. Não sabia direito o que conseguia ou não fazer, mas sabia que teria que mudar alguma coisa para ganhar ao menos mais alguns segundos em quadra. Eis que a bola sobra no meio da quadra a minha frente. A distância entre eu e minhas mais nova companheira era muito menor do que em relação ao defensor. Chegaria primeiro. Fazer um gol nunca havia passado por minha cabeça, afinal minha posição era fechada em marcar e, basicamente, não aparecer muito. Mas tinha que fazer alguma coisa. A cada passo que dava aquela água que havia tomado antes de entrar subia um degrau dentro de minha garganta. O silêncio era ensurdecedor. Não conseguia pensar em nada, apenas sentia o peso das pernas e a percussão de meu coração. Chutei. A bola, fazendo jus às duas pernas esquerdas que saiam de meu quadril saiu torta. Rasteira, sem muita força. Mas tinha ao meu lado todos meus defeitos. O chute do menino magrelo, baixinho, com cabelo no olho não poderia ser levado a sério. Primeira vez que agradecia aos passos mal dados que escondiam o heroi da partida – ao menos para mim, aos 12 anos. 3 a 3.

            “Espera um pouco, Bira. Vamos deixar ele um pouco mais no jogo”.